uma crônica bêbada, vagal
e desgrenhada de devana babu
como sempre acontece nessas ocasiões, eis que surge um um típico velhinho bêbado e vagal: chinelo sujo, bermudinha ordinária acima dos joelhos, camisa rota de campanha política, cabelo desgrenhado malaparado e a barba malfeita, além do andar cambaleante e a magreza notável. mas havia algo na fisionomia desse senhor que me parecia muito, muito familiar, além de um certo sotaque insondável… ou será que era a bebida?
com certa dificuldade, a fala embolada, o bebinho disse:
– o, cs nm qumrfir?
– ?
– cês não qué um refri?
queríamos. sabíamos o que isso queria dizer. em nossas peregrinações, aprendemos que jovens garotos munidos de violão sempre poderão contar com a generosidade de velhos bebinhos, de forma que não estranhamos a oferta. também sabíamos o que viria a seguir: uma bela sessão de sertanejo, modas e amado batista. para nossa sorte, já estávamos preparados pra esse tipo de situação, e tínhamos um belo repertório de breganejos e afins.
quando o velho saiu de dentro da padaria com uma deslumbrante coca-cola de dois litros e meio, já estávamos com as violas desensacadas e água na boca. nunca bebemos uma coca tão apetitosa na nossa vida, ou já. o tipo de coca que se saboreia nos calores mais infernais.
– ou…
preparar.
– … toca…
apontar
– …um pinkflóid aí pa nois!
?
pink floyd? talvez não fosse um bebinho forrozeiro como imaginamos. por outro lado, quantos velhinhos bêbados não curtem wish you where here? principalmente os que tocam violão. é o mesmo fenômeno de zé ramalho e raul seixas, que se fazem presentes de bares a festas de partidos e sindicatos, shows de rock ou festas agrícolas. além disso, wish you are here é uma daquelas músicas que todo mundo aprende quando começa a tocar violão, junto com faroeste caboclo, come as you are e more than words. foi justamente ela que tocamos. não sabíamos cantar, mais embromamos.
– agora, tca um… toc’um… um élvis ai pa nois, vai! – disse ele estralando o dedo indicador com o médio, como faz esse tipo de pessoa.
raylander se animou, porque ele amava elvis. mandou pretty woman, uma das suas preferidas. o bebinho replicou:
– ssa músca não é do évisz ms ta de boa. agora manda um black sabbath!
nós nos entreolhamos. …black sabbath?!
definitivamente, não estávamos diante de um bebinho comum. não que se tratasse de algo impossível ou absurdo, mas não é todo dia que se encontra um popular, em estado tão deplorável, que curta black sabbath. raylander sabia tocar iron man, como sempre. eu mandei paranoid e n.i.b. como sempre. mas o melhor estava por vir.
– manda um…
– …
– manda um…
– ?
– manda um bitous pa nóis aí, por favor. se quiser pde pegar outra coca.
nos entreolhamos mais uma vez. na vinda, estávamos justamente discutindo se, afinal, john lennon morreu ou não, e justamente nesse dia, um pouco mais cedo, eu havia ensinado imagine para raylander, então disse a meu pupilo:
– é contigo, ray. mostre o que sabe.
então ray se pôs a executar com maestria a canção que lhe ensinei, fazendo planger as cordas do big george, seu violão, enquanto eu cantava com não tanta maestria assim.
enquanto cantávamos, os amigos que esperávamos chegaram, então nos despedimos e nos apresentamos ao velho.
– e o senhor, como se chama? – dissemos, quando ele já se punha de saída também, ao que o bebinho respondeu:
– przer, meu nome é john lennon.
devana babu
devana babu veio da dimensão 23 e se encantou por isso que os terráqueos chamam de música. produziu e participou de festivais de spacerock no distrito federal, em especial no quadrante são sebas, participou de várias bandas de spacerock e enviou milhares de fanzines pro planeta natal. | é estagiário da revista traços, co-editor do S2 news, guitarrista/vocalista da xxiii, estudante de jornalismo na unb e procura freelas para conseguir pagar o r.u de 5,20. | devana babu abomina maiúsculas.
Publcicado originalmente no https://escutaqueebom.com/john-lennon-devana-babu/
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