Thursday, October 13, 2016

Poesia: Com minhas próprias mãos

Por Marco Antonio Jardim Melo

Alguém me perguntou alguma coisa que me apraz na vida.
Respondi: usar minhas mãos.
E se tiver untada com óleo de alecrim, entrego-me além do prazer da energia sagrada, canalizada.
É um consolo, tal qual amanhecer o céu azulejado, provar o sal do mar e me perder até a tarde chupando os gomos de romã.
Chegar em casa, de noitinha, pós-noitada, seja lá a hora que for, despir-me das roupas de cima a baixo, deitar o corpo na cama, passar a pele na extensão dos lençóis, produzir calor nas partes sensíveis, é como um gozo sem cópula, um sonho sem tempo.
Não há sabor mais agradável que o mel de si mesmo em quase sono, sair do cru tecido de um mundo sem tanto mais sabor.

Por isso que, se interrogarem, ao contrário, qual dos meus estorvos maiores na vida, afirmo, sem mover as pestanas da manhã: acordar.
Despertar é como coito solitário interrompido, nem um pouco excitante.
É muito mais sobressalto seguido de suplício.
Podem sugerir que ando débil em minha inversão de valores, mas que há de errado no deleite do sonho acordado?
Podem solicitar exames médicos, resultados clínicos, terapias e eletrochoques, no entanto peço que compreendam que sou como um flâneur acima da planície e que não acordo às seis da manhã.
Digamos que chego a levantar o bom ânimo, erguendo primeiro o dorso, estendo braços e pernas, até que tento expandir.
Mas que fazer quando certas partes do corpo permanecem rijas, como a me lembrar que sonhar dá profunda satisfação e acordar parece ser aflição, agonia?
Para vergar certas partes, só mesmo o jorro de água fria, um banho de sal aromatizado, deixar a água correr os poros e os pensamentos em névoa ainda não se pensarão.
Sim, todo santíssimo dia eu desperto assim, com certa distração, com as estruturas firmes e dilatadas e resquícios de polução.
As estruturas seguem o comprimento, os corpos cavernosos, o sangue, o raio de sol que nasce em mim.
A culpa é dos campos em que ando sonhando e dos rostos que sigo recordando em transe.
Então me arrasto para a estimulação do desjejum, antes de sentir o gosto da pasta de dente.
Digo "bom dia" com olhos semicerrados, como se dissesse "boa morte" aos encarnados.
Penso na roupa, no banho, nas coisas vãs.
Tento comer a manhã, ou vice-versa.
Resisto, registro.
Porque quanto mais tempo demora, mais intenso vem em fluência.
Definitivamente, acordar é uma detumescência.
Alguém ainda grita, como uma sirene: "Olha o frescor do dia!", e eu, ainda na dureza da forma, me apoio na parede, a cabeça pendendo para o lado oposto ao da gravidade.
Por favor, não me tirem o vasodilatador da validade do amor.
Porque é ele que me desloca, em júbilo, ao céu do jacto voluntário.
Ah, o prazer dos sentidos adormecidos.
Em mim, varia de um minuto a horas, antes de acordar e subir a ladeira do desânimo.
Não penso que seja mácula ou profanação, porque meu sonho erótico é como um fim de tarde no murinho vendo uma embarcação na praia da minha tela mental, com gosto de
xerez, açaí e cupuaçu.
Um contentamento quase impossível e nu.
Porque, do fundo, sei que vou acordar para ter de escutar outros despertadores intermitentes do mundo.
Durmam-me novamente!
Deve ser o prenúncio do verão que me alimenta a vontade de ficar estirado à cama, roçando as cobertas, com a consciência, assim, suspensa, tirando do tempo a fadiga de gastar o tesão.
Que sensação agradável esta, entre o real e o sonhar.
É o estado da bem-aventurança em que vejo cenas sem aparente explicação.
Uma volta ao mundo com minhas próprias mãos.
Um coração em chama e eu quase dormindo o advento dos justos em minha cama.
Todo o resto, além das partes do corpo, parece não sentir, mas há algo mais íntimo do que consigo mesmo dormir?
Ao que se justifica, então, porque dormir causa ereção.


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