Tuesday, May 31, 2011

Farinha pouca, meu pirão primeiro!

Sábado, ali chegando ao meio dia, voltava das compras de alguns apetrechos domésticos, quando me deparei com um velho amigo, Chico Pahz, montando sua companheira antiga, uma mobilete. Artista das antigas de Conquista, Chico domina como poucos a arte de cantar a música regional, passeando soberano pela obra elomariana e tantas outras, utilizando-se de um fino humor e uma performática de ator adquirida ao longo de sua longa trajetória nos caminhos e descaminhos culturais. Um artista completo.

Com Chico, comecei a tocar contra-baixo, em 1994, e num cubículo dentro do Seminário dos Capuchinhos aconteciam os ensaios. Meu instrumento, um Jennifer, originalmente azul, oriundo de Brasília, que por uma invenção sem explicação resolvi pintar de vermelho. Eu imaginava, no retorno, um instrumento Ferrari, cujos reflexos na contraposição à luz o fizesse brilhar com toda a pompa de um instrumento novinho em folha.

Não sei exatamente o motivo, talvez apenas por uma grande incompetência do pintor, ele me voltou com um marron fosco, com aspecto de pintado a pincel, onde uma camada se sobrepunha a outra, e em que alguns espaços ficavam aquela gota de tinta esperando a última pincelada. Como as cordas eram surradas e estas mesmas voltaram para o baixo brown, e a pintura nova comprometera desastrosamente sua sonoridade, o instrumento tornara-se uma relíquia, como se retirada de escombros, ainda nos tempos dos faraós, como se tivesse sido tocado por Tutancâmon. Resumindo, transformou-se em um baixo surdo e acreditem, pasmem, como ele ficou horrível. E eu, aprendiz, imaginem o resultado. Empareado com Cid Vicious.

Mas voltemos para o tema central. Encontro Chico, acompanhado do seu cunhado Netinho, a quem pergunto sobre a agenda para o período junino. Netinho me diz que pegou pequenos cachês e que a coisa não estava lá a mais satisfatória.

Nisso, Chico pega o gancho e inicia uma avaliação muito interessante e engraçada, que me inspirou o texto. Maurício, diz ele, em tempo de São João todo mundo vira forrozeiro. Roqueiro, axezeiro, pagodeiro. Pegam uma camisa quadriculada, metem um cinto com uma fivela enorme, um chapéu de palha ou de couro e pronto, surge mais um forrozeiro.

Eu ri. Depois ponderei. E ri mais. Refleti e continuei rindo. Chico e Netinho, animados com meus frouxos risos, continuavam a falar dos forrozeiros “temporões”. Festas e mais festas cobertas por caras que faziam de tudo no mundo da música e quando chegam em junho, agarram um teclado (aaargh!), uma zabumba e um triangulo e pé na estrada se auto intitulando forrozeiro. Por onde anda Luiz Gonzaga hora destas?

Esta prosa me fez recordar de outra prosa que tive no programa de rádio da Uesb FM, com Caíque, que comanda o Cult Mix, a propósito de muito bom gosto, como já disse ao próprio na oportunidade. Enfim, falávamos não de quanto se cobra, mas de quanto se paga por um show em barzinho de Conquista.

Primeiro avaliamos que os donos de bares é que são canguinhas e exploram os músicos. E isto é fato. Depois, disse a Caique o problema nascia no próprio artista, culpado pela indexação, pelo seu paupérrimo valor de mercado. Conquista tem muitos músicos bons e mais uma grande farra de músicos ruins. Os ruins são todos promíscuos e alguns bons, extremamente pobres de espírito, permitem que seu cachê fique na casa dos 70 ou 100 reais. É um dinheiro que costumo denominar de maldito, porque o sujeito acaba com tudo no pé do balcão onde tocou, e o restante gasta de táxi e no dia seguinte ganha uma ótima ressaca.

Então, não há surpresa neste sentido. Os tempos mudaram e mudaram horrivelmente. A arte popular e tantas outras manifestações viraram casa da mãe Joana, onde tudo quando é pau de bosta mete-se a explorar, sem compromisso com nada, a não ser com o baixo cachê, pago prazerosamente pelo dono de bar, que nem sempre tem que dá explicações a sua clientela de gosto musical, digamos, eclético, se é que me entendem.

Chico César, num surto sábio e racional, a bem da cultura genuinamente nordestina, deu uma banana para os temporões. Estas bandas ridículas, plastificadas, que de tempos em tempos correm o interior dos estados nordestinos tocando o que há de pior e zerando o caixa das prefeituras. Resolveu, sob a santa batuta que era a sua caneta, contratar os fiéis, leais e puritanos artistas nordestinos, os colocando em posição de merecido privilégio.

Eu torço para que em Conquista este sincretismo musical não aprofunde tanto e que cada um possa pegar sua onda, pra não ter que morrer na praia alheia. É fundamental que respeitem o curso dos seus rios, e quando o leito secar, nao vá roubar na cacimba do vizinho, faça como bom nordestino, se apegue com Deus e espere chover.

1 comment:

Unknown said...

A arte pela arte!?nenhum fundamento estético sobrevive ao comércio...
O rei do baião deve estar,no mínimo, revoltado.Se o comentário fosse de Sonka ou Joao Paulo seria:A culpa é do capitalismo!Rs
Prostituição musical é sinônimo de gente desqualificada atuando onde não deve e não tem talento-A estes "músicos" o meu total desprezo.