Tuesday, December 18, 2012

Nos tempos da Basf


O sabor de adquirir um produto musical antes de toda a tecnologia virtual, até o final dos anos 90, era uma arte. O bolachão de vinil era um luxo e restava a fita cassete aos que não dispunham deste recurso. A primeira fita que entrou na minha casa foi obra de Paulo Dagomé, o primogênito. Ele ganhou um gravador, ou comprou, não sei ao certo, e no seu aparelho nos fez, 7 irmãos, aprendermos toda a obra, à época, do Grupo Logos, evangélicos mestres na arte de compor gospel, conceito inexistente naqueles idos, e que acho até um reducionismo ao trabalho desenvolvido pelo Logos. Depois, a segunda fita marcante, foi a trazida por Petrônio, quando morávamos em Santana do Brejo Velho, e tivemos um contato mais palpável com o rock nacional, que perdura até hoje. A fita, isso era 1985, trazia Capital Inicial, Legião Urbana, Titãs, Ultraje a Rigor e dentre tantas, a metade de uma música internacional, e desta banda ignorávamos o nome. Alguns anos depois, aprofundando naturalmente a pesquisa, descobri que se trava de "Time", um clássico do Pink Floyd, que marcou profundamente minha pré adolescência (enquanto escrevo, a ouço). Ali também comecei a pegar gosto pelo violão e brigava com as cordas tentando compor o ré menor para tocar "Índios".

A fita, enfim, se tornou um objeto comum do nosso dia a dia, e Petrônio nos fornecia de música, com vários e vários nomes, que fomos conhecendo, nos familiarizando e consumindo, perdulariamente. Na década de 1990, autônomos, eu e Fábio assumimos nossos destinos musicais, e aumentamos gradativamente e compulsivamente o acervo de fitas e quando o luxo permitia, um ou outro bolachão. Havia uma mística, um ritual impagável, que só aquele tempo poderia proporcionar. Ir á loja de discos ou uma casa de produtos tecnológicos e comprar uma fita virgem era de um prazer único, como era único o gosto de retirar o plástico que envolvia a caixa da fita, com maior vaidade, se era Basf a marca. Depois, abrir a caixinha e retirar aquela beleza de fita virgem, e deixar cair sobre uma superfície os adesivos de identificação, e colá-los com exímia pontaria, com seus lados A e B. E para gravar algo, quebrar e colar bolinhas papel nos pequenos espaços na parte de baixo da fita. 

No ritual, esperar o momento certo para gravar a música tão esperada. Ás vezes, o locutor camarada dava a dica e se silenciava logo após indicar o inicio da música. De outras vezes, mostrando que não se tratava de exclusividade, éramos obrigados a ouvir o locutor e a vinheta infelizes, bem na hora da introdução, igualmente reproduzidas no fim da música, que ficava maculada, mas, ainda assim, gravada e ouvida exaustivamente. 

O momento mais triste era quando aquela fita maravilhosa, com aquela seleção perfeita, era engolida impiedosamente pelo cabeçote do deck, na melhor parte, da melhor música, da melhor banda. Era de doer. Por conta disso, adquiri nova técnica. Com o passar do tempo, e após muitas cirurgias mal sucedidas, me tornei exímio recuperador de fitas. Os pequenos parafusos, eu os tirava com maestria e habilidade, recostando-os a certa distância, onde estariam a minha vista e prontos para retornar ao seu lugar de origem. Depois, delicadamente (entendam), desconectava as duas partes fita, e depois, aquela pequena película transparente que ficava por sobre a fita, de fato, marronzinha e magnetizada. Depois, enrolava a fita que tinha perdido hora pra desembolar, e unia a duas pontas perdidas. Cortava pequeno pedaço de fita adesiva, o popular Durex, e colava as duas pontas. Em seguida, o caminho de volta, repondo parte por parte, até recondicionada a fita, levá-la ao deck outra vez, e ouvir a bendita canção, que naquela parte, queira ou não, sempre soluçava. Mas, o sabor era o mesmo, saborosamente o mesmo. Eu só sei que com isso Fábio me trazia o montes e até recebia encomendas.

O tempo passou e eu, menos dedicado à esta arte, à aquisição do produto e muito menos da gravação, passei a consumir os vinis, estes que logo passaram a ser uma "tarefa" de Fábio, que tornou-se o fornecedor oficial de material musical da família inteira. Discos, discos e mais discos vinham aos montes, de toda a natureza e todo estilo, mas sem jamais corrompidos. Acho que quando chegar em casa vou procurar um deck duplo para tocar a gravar algo e mostrar para os meninos lá de casa como se dava o processo. Acho que vou gravar "time" completa.

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